AVAL: O QUE ACONTECE SE NÃO HOUVER AUTORIZAÇÃO DO CÔNJUGE?

Pânico! Esta é a palavra a ser usada quando o tema é o aval nas operações, seja na nota promissória em garantia, ou nas duplicatas operadas, diante da ausência da autorização do cônjuge.

Em alguns casos, paira sobre a cabeça do empresário o fantasma da incapacidade de cobrar o avalista, exatamente pela ausência da autorização conjugal.

O STJ deu uma solução para o caso, mas vale a pena a leitura do Código Civil, lembrado que o legislador colocou na parte que trata do Direito de Família uma regra sobre Direito Cambial, ou seja, absolutamente inoportuna a colocação, senão vejamos:

Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:

....

III - prestar fiança ou aval;

Art. 1.648. Cabe ao juiz, nos casos do artigo antecedente, suprir a outorga, quando um dos cônjuges a denegue sem motivo justo, ou lhe seja impossível concedê-la.

Art. 1.649. A falta de autorização, não suprida pelo juiz, quando necessária (art. 1.647), tornará anulável o ato praticado, podendo o outro cônjuge pleitear-lhe a anulação, até dois anos depois de terminada a sociedade conjugal.

Parágrafo único. A aprovação torna válido o ato, desde que feita por instrumento público, ou particular, autenticado.

Art. 1.650. A decretação de invalidade dos atos praticados sem outorga, sem consentimento, ou sem suprimento do juiz, só poderá ser demandada pelo cônjuge a quem cabia concedê-la, ou por seus herdeiros.

Pela leitura superficial dos artigos acima, podemos facilmente compreender que:

- A Lei fala em “autorização”, e não de procuração. E o parágrafo único do art. 1.649 atesta como vá lido o ato, quando a aprovação ou exarada por instrumento público ou particular, autenticado. O SINFAC-SP oferta aos seus associados o modelo de autorização a ser assinado pelo cônjuge, para suprir esta necessidade. Pode ser baixado AQUI, mediante login e senha.

A invalidade somente pode ser invocada pelo cônjuge, que deveria prestar a autorização, ou seus herdeiros, não cabendo a terceiros.

E sobre o AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL nº 646.713 - CE (2014/0339855-0), temos a seguinte interpretação, envolvendo o aval dado em benefício de uma empresa de fomento comercial, pelo que “a simples análise do artigo 1.647 do CC deixa claro que a intenção maior do legislador é preservar o patrimônio da mulher casada, preservando a sua meação. O que a lei, sabiamente procurou assegurar, em favor da mulher casada, é a sua cota parte, é garantir a sua meação, não sendo legal que cobranças judiciais ajuizadas contra seu marido, de dívidas não efetivadas em proveito da família, venha atingir a sua meação.”

Ainda “o que pretendeu o legislador com a edição da lei que regulamenta o Código Civil Brasileiro, em seu artigo 1.647, item III, do diploma substantivo, foi antes de mais nada, preservar a meação da mulher casada, foi dar à mulher casada mecanismos legais à sua disposição, para em caso da mulher se ver na iminência de perder o controle patrimonial dos bens adquiridos pelo esforço comum, possa fazer valer a lei defendendo a sua meação contra a ação dos credores”.

Judiciosos os argumentos do ministro:

A ausência de outorga uxória, todavia, não tem o condão de tornar nula a garantia em relação a quem a prestou, mas apenas impede que o consorte seja responsabilizado, com sua meação, por dívida com a qual não consentiu.

Frise-se que embora a lei confira limitações ao poder de administração dos cônjuges, a fim de assegurar a harmonia e a segurança da vida conjugal, com preservação do patrimônio familiar, não se pode perder de vista a necessidade de se preservar a boa-fé nas relações contratuais e, em especial, a função social dos contratos.

Outrossim, o art. 1.649 do CC/02, acima transcrito, fala em anulabilidade da garantia, não em sua nulidade, podendo ser postulada apenas pelo cônjuge que não conferiu vênia para a sua prestação, nos termos do art. 1.650 do mesmo diploma legal, o que induz à conclusão de que aquele que prestou a garantia não se desobriga desta.

Ainda, usou o ministro o enunciado da “I Jornada de Direito Civil”:

Nesse sentido, o Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal aprovou o enunciado na “I Jornada de Direito Civil”, sob n° 114, que diz:

"O aval não pode ser anulado por falta de vênia conjugal, de modo que o inciso III do art. 1.647 apenas caracteriza a inoponibilidade do título ao cônjuge que não assentiu com a garantia prestada."

Na justificativa ao enunciado foi expresso que "Exigir anuência do cônjuge para a outorga do aval é afrontar a Lei Uniforme de Genebra e descaracterizar o instituto. Ademais, a celeridade indispensável para a circulação dos títulos de crédito é incompatível com essa exigência, pois não se pode esperar que, na celebração de um contrato corriqueiro, lastreado em cambial ou duplicata, seja necessário, para a obtenção de um aval, ir à busca do cônjuge e da certidão do seu casamento, determinadora do respectivo regime de bens".

Efetivamente, os requisitos do aval em nota promissória são os previstos na Lei Uniforme de Genebra (art. 31), à qual o Brasil aderiu (Decreto 57.663/66), e dentre eles não consta a outorga conjugal. Da mesma forma regulou o art. 898 do atual Código Civil.

O acórdão recorrido diverge da jurisprudência desta Corte Superior, que sedimentou entendimento no sentido de que o aval que garante título de crédito típico não perde sua validade pela ausência de autorização do cônjuge do avalista. Todavia, fica garantida a meação do cônjuge que não anuiu.

Resumindo:

- Se a empresa usar a autorização modelo, com firma reconhecida, prestada pelo cônjuge, todo o patrimônio do casal pode ser constrito – em tese, preservando-se os bens impenhoráveis, tais como residência, utensílios, ferramentas para o trabalho etc.

- Se o cônjuge assinar em conjunto, não se faz necessária a autorização, incidindo tudo o que foi referido no item “a”.

- Se o cônjuge não autorizar, tampouco assinar em conjunto, o aval não está invalidado, e somente o cônjuge que não autorizou pode buscar a defesa da meação.

E fica mais uma dica: se o bem penhorado for indivisível (um automóvel ou imóvel sem possibilidade de desmembramento, a meação é preservada sobre o resultado da venda do bem e não sobre o próprio bem, nos termos do art. 843. Tratando-se de penhora de bem indivisível, o equivalente à quota-parte do coproprietário ou do cônjuge alheio à execução recairá sobre o produto da alienação do bem.

Assim, não corremos o risco de penhorar “metade” de um imóvel e, posteriormente, tentar leiloar esta metade – sendo que ninguém, ressalvadas situações absolutamente específicas, compraria!

Alexandre Fuchs das Neves é advogado e consultor jurídico do SINFAC-SP – Sindicato das Sociedades de Fomento Mercantil Factoring do Estado de São Paulo.

(Publicado em 16/04/20)

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