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Publicado em 19/12/2019

Perspectivas (Porandubas Políticas - Por Gaudêncio Torquato)

Quais as perspectivas que se apresentam ao Brasil em 2020? As minhas, ufa, são positivas. Mas a de Luís Pereira, infelizmente, é negativa. Veja o que ele pensava anos atrás.

Pintor de parede, Luís Pereira dormiu com 200 votos e acordou como deputado Federal. Era suplente de Francisco Julião, líder das Ligas Camponesas, em Pernambuco, cassado pela ditadura. Chegou a Brasília de roupa nova e coração vibrando de alegria. Murilo Melo Filho, da revista Manchete, melou o jogo, logo no aeroporto, com a pergunta feita de maneira abrupta:

– Deputado, como vai a situação?

Confuso, nervoso, surpreso, sem saber o que dizer, escolheu as duas palavras que considerava muito difíceis, mas à altura de um deputado que tenta impressionar o interlocutor:

– As perspectivas são piores do que as características.

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Nesse momento, há muito Luís Pereira perorando por aí...

Luz no fim do túnel

2019 chega ao final sob a impressão de que começamos a divisar uma tocha acesa no fim do túnel. O ano começou com muita turbulência. De um lado, a luta desvairada entre simpatizantes do presidente Jair e seus opositores, incluindo contingentes dos partidos de oposição, como o PT e PSOL, e de núcleos que não simpatizam com o lulopetismo.

2020 mais otimista

De outro lado, a incerteza sobre a conduta do presidente, que mostrou ao correr dos meses uma identidade embalada por muita polêmica, com expressões que fustigam adversários e elevam valores conservadores. No final do seu primeiro ano, a impressão é de que o governo, mesmo sob solavancos, sinaliza 2020 mais otimista. As projeções incluem um crescimento de até 2,5% no PIB. Índice muito positivo que aceleraria a volta dos investidores internacionais.

A economia, o destaque

A economia pode ser considerada a porta da esperança do governo. Inflação sob controle, não passando de 4% ao ano, taxa Selic chegando aos 4,5%; projetos que objetivam resgatar a empregabilidade em pleno andamento; sinais muito positivos na frente do agronegócio; boas perspectivas para o comércio nesse final de ano (aumento de 10% sobre vendas do ano passado); construção civil recuperando seu vetor de força; serviços e indústria com ligeiros índices positivos; bolsa subindo; acenos aos investidores, a partir dos leilões do pré-sal etc. O crédito ao ministro da Economia, Paulo Guedes, é alto.

A política, tropeços

O calcanhar de Aquiles do governo é a articulação política. Nessa frente, viu-se muita falta de traquejo. As mudanças na Casa Civil apontam para o experimentalismo que o governo tem tentado para aprovar sua agenda no Congresso. Depois de fraquejar na articulação, o ministro Onyx Lorenzoni viu suas funções políticas passarem para a área de articulação, hoje comandada pelo general Luiz Eduardo Ramos. Mesmo assim, tropeços continuam.

Liberação de recursos

A base política cobra liberação de recursos de suas emendas. A faixa de manobra do governo é estreita. O cabresto do cavalo é curto. Matérias importantes acabam sendo desidratadas por deputados e senadores. Afinal, a esfera política, acostumada com os tempos do presidencialismo de coalizão, não tem visto com bons olhos a atitude do governo, de exigir votos sem a devida compensação.

Justiça e segurança

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, é o mais popular da Esplanada dos Ministérios, ou, em outros termos, é quem tem mais prestígio junto ao público. Moro substituiu a linguagem de juiz pela linguagem política. Não tem conseguido aprovar tudo o que quer, com seus pacotes encaminhados ao Legislativo, mas pouco a pouco avança na construção de uma agenda de combate à corrupção e à insegurança pública.

Moro na chapa?

O ministro começa a tomar gosto pela política, a ponto de se tornar, ao final do primeiro ano do governo, no nome mais viável para vice na chapa de Bolsonaro em 2022. A indicação para o STF vai se tornando inviável, não apenas pelo "jeitão" político que começa a assumir como pela promessa do presidente de nomear para a Alta Corte um "ministro terrivelmente evangélico". Este nome seria o de André Luiz de Almeida Mendonça, advogado e pastor presbiteriano brasileiro, hoje advogado-Geral da União do Brasil.

Infraestrutura

A melhor avaliação da performance administrativa é do ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes, que encarna o perfil do administrador comprometido com resultados. Sua meta para 2020 é a de realizar 44 leilões em 2020: 22 aeroportos, 9 terminais portuários, 7 rodovias e 6 ferrovias. A estimativa é alcançar R$ 101 bilhões em investimentos.

Imagem externa negativa

Pela defesa de uma posição de extrema-direita, o chanceler Ernesto Araújo contribui para a imagem negativa do Brasil. Mesmo considerando que a direita vem ganhando eleições nos continentes, a visão do ministro de Relações Exteriores suscita controvérsia. Ele diz que o Ocidente está em decadência e que só os EUA podem salvá-lo, sob a liderança de Trump. Acusa a ordem internacional como adversa à soberania brasileira. Elege como governos nacionalistas, além dos EUA, Israel, Itália, Polônia e Hungria, regimes onde, segundo o ex-embaixador do Brasil em Washington, Roberto Abdenur, a democracia está sendo substituída por duras autocracias.

Processo de retração

Para Abdenur, o Brasil de Bolsonaro se transforma em uma espécie de "Internacional" da extrema-direita. "Com o ideário apresentado pelo chanceler, a política externa sofrerá processo de retração, de encolhimento. Importantes postulados dessa política serão erodidos ou abandonados: o multilateralismo, os direitos humanos, a sustentabilidade, o apoio às Nações Unidas e aos organismos a ela vinculados". Algumas decisões podem, até, afetar os negócios do país. A mudança da embaixada brasileira em Israel, de Tel-Aviv para Jerusalém, terá o condão de desagradar o mundo árabe, considerado um grande mercado para produtos brasileiros, a partir da carne.

Direitos Humanos

Outra área que formou muita polêmica ao correr do ano abriga o Ministério da Mulher, da Família e Direitos Humanos. Mesmo com a defesa de posições muito conservadoras, a ministra Damares Alves até aliviou a carga negativa que pesava sobre ela, nos primeiros meses de sua gestão. Ela se faz presente em muitos eventos e denota sinceridade em suas convicções. Um ponto que gera tensão é o da Comissão de Anistia, que indeferiu 85% dos 2.717 pedidos de indenização, reconhecendo apenas 388 deles. A comissão mudou de perfil sob comando da ministra e endureceu critérios.

Os filhos

Parcela ponderável das tensões e nervosismo que impregnaram a locução do governo com a sociedade se deve ao comportamento dos três filhos do presidente que militam na política: Flávio, o senador; Eduardo, o deputado Federal e Carlos, o vereador no Rio de Janeiro. Este último, segundo se diz, gerencia a conta do pai nas redes sociais. E abriu muita polêmica com suas mensagens, com tiros nos adversários. Flávio enfrenta o dissabor gerado pela "rachadinha", repartição de salários dos funcionários do gabinete do então deputado estadual. Caso que mexe com o ex-assessor de Flávio, o policial militar aposentado Fabrício Queiroz. Já o deputado Eduardo é fonte de atritos com parte da bancada do PSL, partido que ameaça expulsá-lo. Depois de ter sido desbancado como líder, acaba de voltar à liderança do PSL na Câmara, derrotando Joice Hasselmann na luta esganiçada entre as duas alas.

Ambientalismo

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, é uma fonte inesgotável de polêmica. Ao correr do ano, viu-se o ministro negando aumento de queimadas na Amazônia e respondendo com certa virulência às denúncias sobre as ações lesivas ao meio ambiente no Brasil. O ministro acaba de voltar da 25ª Conferência do Clima (COP 25) da Organização das Nações Unidas, na Espanha, reunindo representantes de cerca de quase 200 países, totalizando 29 mil pessoas, em debates e articulações. O principal desafio da COP 25 é acelerar o combate às mudanças climáticas. Eventos climáticos extremos no mundo inteiro, como enchentes e queimadas, estão ligados ao aquecimento global causado pelo ser humano. O Brasil se ateve a um pedido de recursos para a preservação ambiental. O que o ministro disse sobre a COP 25? "Não deu em nada".

Área cultural

Na área da Cultura, registra-se um monumental retrocesso na esfera do pensamento. O secretário da Cultura, Roberto Alvim, chegou a postar contra a respeitada dama das artes cênicas no país: "A 'intocável' Fernanda Montenegro faz uma foto pra capa de uma revista esquerdista vestida de bruxa". Um outro assessor, dublê de maestro e youtuber, Danton Mantovani, nomeado para dirigir a Funarte, prega que a terra é plana. E associa Elvis Presley, Beatles, drogas, sexo, satanismo e até a CIA em um conluio contra a moralidade dos jovens. Um terceiro, indicado para a Fundação Palmares, Sérgio de Camargo, disse que a escravidão fez bem aos descendentes dos escravos. Por enquanto Camargo está impedido de assumir pela Justiça, mas Bolsonaro diz que vai insistir na sua nomeação. Um rol de falas estúpidas. A área da cultura, perplexa e chocada, nunca viu tanto disparate.

Deseducação

Por último, mais um polo de tensões: o ministro Abraham Weintraub, que atira, desagrada, comete erros, brinca de palhaço, entra em matéria que não é sua. E acaba sob apupos. O ministro está de férias. É possível que não volte. Mas o presidente garante que ele é "excelente". Em que área, presidente? Na educação, ele mais deseduca.

Os militares

Os militares que atuam no entorno do presidente estão se saindo bem. O vice-presidente Hamilton Mourão surpreende pela disposição de falar à imprensa. Tem adquirido prestígio no meio empresarial. Os outros ministros agem como civis sem demonstrar sentimento de tutela e proteção ao governo. Abrem-se aos meios de comunicação. Transparentes.

O teste de 2019

Como se percebe, 2019 foi um ano cheio de tumultos e tensões. O país recrudesceu o embate entre duas alas, a ala que o petismo criou – "Nós e Eles" – e a ala que o bolsonarismo faz questão de inserir no foro da discussão nacional – "Eles e Nós". O verbo foi ácido. As redes sociais expuseram uma guerra com intenso tiroteio. Persiste a denúncia de que os tiros são realizados por uma bateria de robôs. Os canhões atiram com mentiras, falsidades de todos os tamanhos, injúria, calúnia, difamação. Sob nuvens pesadas, o brasileiro não perde a esperança, que começa a aparecer com alguns reais a mais que entram no seu bolso.

A torcida

Há uma enorme torcida para que o presidente Jair amenize sua expressão cheia de contundência. Torcida também para que seus filhos falem menos e contribuam para desarmar (e não armar) os espíritos. Se o objetivo é agradar apenas aos torcedores, então não teremos saída: a guerra será total até 2022. É isso que os oposicionistas ao governo estão desejando. Ou seja, os extremos querem clima de embate todo tempo. Isso será um perigo. O Brasil precisa de harmonia, paz social, um pouco de consenso. O caos poderá nos levar ao abismo.

Fecho a coluna com uma historinha das Minas Gerais.

Suavemente....

José Maria Alkmin foi advogado de um crime bárbaro. No júri, conseguiu oito anos para o réu. Recorreu. Novo júri, 30 anos. O réu ficou desesperado:

– A culpa foi do senhor, dr. Alkmin. Eu pedi para não recorrer. Agora vou passar 30 anos na cadeia. – Calma, meu filho, não é bem assim. Nada é como a gente pensa da primeira vez. Primeiro, não são 30, são 15. Se você se comportar bem, cumpre só 15. Depois, esses 15 são feitos de dias e noites. Quando a gente está dormindo tanto faz estar solto como preso. Então, não são 15 anos, são 7 e meio. E, por último, meu filho, você não vai cumprir esses 7 anos e meio de uma vez só. Vai ser dia a dia. Suavemente.

(*)  Gaudêncio Torquato é jornalista e consultor político.

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