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Publicado em 12/03/2020

Ô jardineira... (Porandubas Políticas - Por Gaudêncio Torquato)

Antes das notas sobre a gravidade do nosso momento, um pouco de humor.

Ô jardineira...

Na cidadezinha do norte do Rio de Janeiro, a procissão de Senhor Morto caminhava lenta e piedosa, na sexta-feira da Paixão, com o povo cantando, de maneira compungida, os hinos sacros. O velho padre na frente, o sacristão ao lado e os fiéis atrás, cantando as músicas que o vigário puxava. De repente um pequeno ônibus, que na região chamam de "jardineira", passou perto e começou a subir a íngreme ladeira da igreja, bem em frente da procissão. No meio da ladeira, a "jardineira" afogou, encrencou, parou, deu aceleradas fortes e inúteis e começou a dar marcha-ré. Os fiéis não viram, mas o padre, atento, ficou apavorado. A "jardineira" já despencava numa grande velocidade. O padre gritou:

– Olha a jardineira!

E os fiéis começaram a cantar, em ritmo de samba:

– Ô jardineira, por que estás tão triste? Mas o que foi que te aconteceu? Foi a camélia que caiu do galho, deu dois suspiros e depois morreu.

A "jardineira" descambou ladeira abaixo, até que parou. Não atropelou ninguém. Sob o olhar do Senhor Morto! Mas os fiéis não aguentavam de tanto rir.

Chegando ao pico da gravidade

A situação é mais grave do que os fatos aparentes indicam. Os fatos: uma denúncia feita pelo presidente Jair Bolsonaro em sua viagem última aos Estados Unidos. Disse de maneira clara, sem meios termos, que foi eleito no primeiro turno das eleições de outubro de 2018. Portanto, o pleito foi fraudado. Antes de sair do Brasil, em Boa Vista, Roraima, convocou o povo a ir às ruas em 15 de março. Intenção: mobilizar suas bases. E mais: a pandemia do coronavírus é mais uma fantasia. A crise das bolsas? Ah, para ele é coisa normal. P.S. Vejam a normalidade: entre 23 de janeiro e o pregão de segunda-feira, as companhias listadas no Ibovespa perderam R$ 1 trilhão em valor de mercado.

Militares incentivando

Os círculos militares, ao que se parece, incentivam o acirramento. Ontem, terça, o presidente do Clube Militar, general da reserva Eduardo José Barbosa criticou o que designou de "parlamentarismo branco", afirmando que o Congresso está tentando desempenhar uma função atribuída ao Executivo. Na segunda-feira, a associação divulgara um comunicado de "solidariedade" aos atos convocados para o dia 15 de março em apoio ao governo do presidente.

General Heleno

O general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional, aparecia na abertura do governo como o conselheiro-mor, a voz do bom senso, a balança da moderação. Depois da desastrada fala em que disse que os parlamentares "chantageiam", o general passou a ser visto de maneira atravessada pela esfera congressual. Os fatos estão a mostrar que interessa ao Executivo, a partir de seu núcleo duro, o acirramento da polarização, o que abre algumas linhas de pensamento.

A economia na ladeira

O primeiro argumento que se põe sobre a régua da análise é o fator econômico. Se a economia continuar a não dar os resultados tão esperados, e a falta de dinheiro no bolso apertar os estômagos, seria do interesse do Executivo pôr a culpa no Congresso. As bases bolsonaristas tomariam as ruas e a campanha de 2022, com o prelúdio de outubro deste ano, seria antecipada. Especula-se, até, com a saída de Paulo Guedes, que resultaria em caos político.

O coronavírus

Ao dizer que o coronavírus é mais fantasia, Bolsonaro aposta na administração da pandemia, com efeitos positivos no curto prazo. Uma aposta e tanto. E se recrudescer em nível internacional, poderá fazer a comparação com o Brasil. Se recrudescer por aqui, apontará novamente culpados na área política. Pelo visto e revisto, o capitão segue rigidamente a cartilha militar, com olhos no endurecimento, combate às esquerdas, eliminação das oposições. O quadro é tétrico. Quando se imagina que o mandatário-mor da Nação vai expressar uma palavra de paz, harmonia, equilíbrio, lá vem ele com mensagem de guerra.

TSE refuta, mas e daí?

O Tribunal Superior Eleitoral rebate a declaração do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de que a eleição de 2018 foi fraudada e reafirma que o sistema de urnas eletrônicas é confiável e auditável. "Ante a recente notícia, replicada em diversas mídias e plataformas digitais, quanto a suspeitas sobre a lisura das eleições 2018, em particular o resultado da votação no 1º turno, o Tribunal Superior Eleitoral reafirma a absoluta confiabilidade e segurança do sistema eletrônico de votação e, sobretudo, a sua auditabilidade, a permitir a apuração de eventuais denúncias e suspeitas, sem que jamais tenha sido comprovado um caso de fraude, ao longo de mais de 20 anos de sua utilização", afirma o TSE, presidido pela ministra Rosa Weber. O texto tem também a autoria do ministro Luís Roberto Barroso, que assume o posto em maio. Os dois defenderam pessoalmente a segurança do sistema eleitoral brasileiro. Mas isso adianta alguma coisa? Onde estão as provas? E o que dizem as entidades de renome da sociedade civil?

Para onde vamos?

A repetição de expressões que provocam polêmica e geram tensões não vai parar. A índole presidencial não é de paz. E o capitão parece disposto a prosseguir nessa rota de tensões e rompimento de barreiras diplomáticas entre os três Poderes. Se o Congresso não avançar no capítulo das reformas, ficará com a pecha de ser contra o Brasil. Bolsonaro entraria de vez na vestimenta do embate, iria às ruas comandando suas tropas e algum impasse institucional ficaria à vista no horizonte. Onde está o bom senso das tropas?

O parlamento

Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, presidentes da Câmara e do Senado, pisam em ovos. Qualquer votação que possa ser considerada derrota do governo será fatalmente usada como argumento de que o Congresso atrapalha, dando vazão a essa última acusação feita pelo presidente do Clube Militar. Paulo Guedes perdeu força junto aos parlamentares. O general Luiz Eduardo Ramos, da articulação política, ainda não tomou rumo. O general Walter Braga Netto, que assumiu a função de coordenação dos ministérios, toma pé no terreno espinhoso.

O trunfo é paus

A frase mete medo, mas é necessária. Thomas Hobbes dizia: "Quando nada mais se apresenta, o trunfo é paus".

Maquiavel

"Um príncipe precisa usar bem a natureza do animal; deve escolher a raposa e o leão, porque o leão não tem defesa contra os laços, nem a raposa contra os lobos. Precisa, portanto, ser raposa para conhecer os laços e leão para aterrorizar os lobos". Conselho do velho Maquiavel, que arremata: "não é necessário ter todas as qualidades, mas é indispensável parecer tê-las."

Efeitos no meio da pirâmide

Que efeitos a estratégia de Bolsonaro e seu entorno terá junto a alguns estratos sociais? Vejamos. Quem acompanha de maneira mais atenta os fluxos e refluxos da política são os grupamentos que integram o meio da pirâmide. Aí estão as classes médias. O núcleo mais expressivo é formado pela intelligentzia, professores, acadêmicos, comunicadores, profissionais liberais, estes repartidos em uma miríade de constelações. As mais progressistas circulam no campo da produção e disseminação de ideias. Núcleos mais contrários ao governo de direita conservadora, que tendem a expandir sua indignação.

Setores conservadores

Mas há um forte nicho conservador no meio da pirâmide, particularmente representado por proprietários rurais, pequenos e médios comerciantes, empresários do setor urbano, redutos tradicionais que anseiam por ordem e disciplina, entre outros. É evidente que exercem influência em seu entorno. Tendem a reforçar o discurso autoritário do capitão. E, claro, há os ativistas e militantes que voltaram a circular no roçado da política. As pesquisas mostram que cerca de 30% do eleitorado estão na órbita do bolsonarismo. Mas contingentes que nele votaram se afastaram. O mandatário perdeu parcela de seu núcleo.

As margens

As margens periféricas são pragmáticas. Se o bolso puder arcar - e bem –com as despesas, Bolsonaro será prestigiado, com amplas possibilidades de vir a ser contemplado com o voto mais adiante. A recíproca é verdadeira. Fatores de influência: desemprego, economia na ladeira, fila do Bolsa Família, fila do INSS, renovação do Fundeb, endemias e pandemias. O governo e os políticos tendem a ser o alvo das coisas ruins que ocorrem no terreno das massas.

Coisas ruins? Fantasia

Em suma, o presidente Jair Bolsonaro acha que tudo vai às mil maravilhas; que seu governo é o melhor de todos os tempos (Lula também dizia a mesma coisa de seu governo); que o Congresso e o Judiciário atrapalham; que a imprensa é mentirosa; que os jornalistas são uns pândegos; enfim, que as coisas ruins não passam de ficção. Guerra do petróleo? Besteira. Coronavírus? Fantasia. Baque das bolsas? Exagero. E tome fala desembestada.

Fecho com uma pequena lição.

Esmagando o passarinho

Inflamado, o candidato eleva a fala no palanque. Argumentava que o povo livre sabe escolher seus governantes. Para entusiasmar a multidão, levou um passarinho numa gaiola, que deveria ser solto no clímax do discurso. No momento certo, tirou o pássaro e com ele, na mão direita, tascou: "a liberdade do homem é o sonho, o desejo de construir seu espaço, sua vida, com orgulho, sem subserviência. Deus (citar Deus é sempre bom) nos deu a liberdade para fazermos dela o instrumento de nossa dignidade; quero que todos, hoje, aqui e agora, comprometam-se com o ideal da liberdade. Para simbolizar esse compromisso, vamos aplaudir a soltura desse passarinho, que vai ganhar os céus". Ao abrir a mão, viu que esmagara o passarinho. A frustração por ter matado o bichinho foi um anticlímax. Vaias substituíram os aplausos. Foi um desastre. Assim é o fim de candidatos que não controlam a emoção.

(*) Gaudêncio Torquato é jornalista e consultor político.

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