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Publicado em 21/05/2019

Investidor questiona oferta de debênture (Valor Econômico)

Pode até parecer um contrassenso no atual mercado de demanda elevada por debêntures, mas, recentemente, algumas operações só saíram porque os bancos coordenadores colocaram recursos próprios para completá-las. A chamada "garantia firme" teve de ser exercida nas emissões da locadora de veículos Localiza, da operadora de turismo CVC e da varejista de moda Restoque.

"O mercado continua muito aquecido, com a procura por esses papéis superando a oferta. Nesses casos, o que aconteceu foi que empresas e coordenadores 'pisaram na linha'. Acharam que os investidores estavam aceitando papéis em qualquer condição de taxas e prazo. O mercado colocou um limite", diz um banqueiro.

Aparentemente, o modus operandi da estruturação das ofertas de debêntures tem características que faziam sentido há alguns anos, quando os papéis eram "encarteirados" por bancos ou pelo BNDES. Mas agora investidores dedicados a crédito privado estão crescendo - via plataformas abertas e novas gestoras - e começam a questionar esse métodos de colocação das ofertas restritas.

A oferta que mais incomodou os investidores foi a da Localiza, uma emissora frequente - praticamente todo ano faz uma oferta de títulos de dívida. Há cerca de um mês, saiu com uma operação de R$ 1 bilhão, que oferecia retorno menor e prazo maior do que uma emissão que ela mesma havia realizado nove meses atrás. Na prática, a operação, coordenada por BTG Pactual, Banco do Brasil e Itaú BBA, estava vendendo um papel com mais risco - por conta do prazo maior - mas com um prêmio menor para os investidores.

"Crédito não aceita desaforo", resume um investidor.

O mercado virou as costas para a emissão. Mas ela seguiu adiante porque em praticamente 100% dessas ofertas os bancos dão a garantia firme para a distribuição - uma espécie de seguro que garante que se não houver um acontecimento atípico de mercado e nenhum investidor quiser os papéis, eles compram os títulos com recursos próprios. Ou seja, quando uma empresa contrata os bancos para emitir debêntures, o diretor financeiro já sabe que pode contar com recursos em caixa. Ninguém sabe explicar como essa garantia surgiu, mas é fácil entender por que as empresas contratam: aquelas que têm bons ratings pagam muito pouco por esse seguro: a taxa cobrada pelos bancos varia entre 0,1% e 0,6% do total da oferta.

Nessas condições e com a queda do custo de captação, várias empresas estão preparando operações, cujas estruturações são disputadas pelos bancos. Naturalmente, a empresa contrata aquele que diz que vai vender os títulos de dívida ao mercado com a taxa mais baixa, ou no menor custo para a companhia.

A Localiza informou ao Valor que sua última emissão de debêntures foi bastante disputada pelos bancos interessados em coordená-la. "Na precificação, os bancos contaram com a estabilidade e/ou com a expectativa de continuidade da melhora do mercado de capitais, que acabaram não ocorrendo. Essa dinâmica faz parte do processo de emissão de debêntures no Brasil e a Localiza conseguiu prazos e taxas bastante atraentes para continuar financiando seu crescimento", destacou a empresa em nota. Fontes observaram que as condições de mercado se deterioraram no momento que a operação foi contratada e seis semanas depois, quando ela foi a mercado.

O resultado foi que os bancos coordenadores ficaram com 30% da oferta. Não encarteiraram a emissão inteira porque resolveram abrir mão de suas comissões ao repassá-las aos investidores vendendo os papéis com desconto. "No fim do dia, os bancos trabalharam de graça na operação", afirma um investidor.

A recusa dos investidores em ficar com as debêntures não tem necessariamente a ver com preocupações acerca do negócio das companhias, mas deve-se basicamente às condições de prazo (ou seja, risco) e de retorno das emissões. Foram essas contas que também afetaram as ofertas da Restoque, liderada por Itaú BBA e Santander; e CVC, estruturada por Votorantim e Banco ABC. O Valor procurou os bancos e as empresas citadas, que não deram entrevista.

As rusgas entre investidores, de um lado, e coordenadores e emissores, de outro, nesse mercado em formação para as definição de preço e condições das ofertas de debêntures não param por aí. Com o aumento da massa investidora, um outro procedimento, de certa forma atrelado à garantia firme, também vem sendo questionado.

Quando a oferta de debêntures é oferecida a mercado, os papéis saem com uma taxa teto, que é aquela na qual o banco deu a garantia firme de colocação. Ela representa o máximo que a empresa vai pagar para captar. A missão dos bancos será convencer investidores a comprar os papéis a uma taxa menor, ou seja, reduzindo o custo da empresa. A definição de quem vai ficar com os papéis se dá por meio de um leilão - o papel vai sair na menor taxa que tiver demanda, mesmo que isso signifique eventualmente entregar toda a emissão para um único investidor. Ou seja, não há preocupação em diversificar a base de investidores para, inclusive, viabilizar o mercado secundário desses papéis.

Os pequenos investidores reclamam que não conseguem fazer ofertas por pedaços tão grandes a ponto de influenciar na taxa e acabam ficando de fora de boas operações. Já os grandes se queixam que esses sistema incentiva alguns investidores mais agressivos a oferecer descontos elevados para ficar com os papéis - por essa razão, nem olham as operações.

Executivos de bancos de investimento afirmam que esse leilão, chamado de "holandês", é o mais justo para o investidor. "Quem fizer a melhor oferta, leva. Isso elimina as injustiças das ofertas de ações, em que os coordenadores e empresas escolhem quem vai levar mais ou menos papel. É praxe que aquele investidor que tem melhor relacionamento com o banco será mais bem alocado", resume um executivo de banco.

Nas estimativas do mercado, hoje, 80% das ofertas de debêntures saem via leilão holandês. O percentual restante se divide entre as operações a mercado e aquelas que, de saída, contam com a ancoragem de um pequeno grupo de investidores, que se compromete a ficar com percentual relevante dos papéis.

Em ofertas de dívida no mercado externo, não existem nem garantia firme nem leilão holandês. Lá fora o investidor participa de todas as etapas de definição de preço e de demanda - no Brasil, essa colocação mais discricionária já é feita nas ofertas de ações.

Fontes de bancos de investimento ouvidas pelo Valor afirmam que o mercado brasileiro deverá caminhar para esse outro cenário, mas daqui a alguns anos, quando, de fato, existir mais profundidade para o mercado de títulos de dívida local. "A verdade é que o mercado hoje está muito mais para o lado do emissor - a empresa, que vende as debêntures - do que para o lado do investidor. Como tem mais apetite do que papel, são as empresas que ditam as regras", diz um interlocutor.

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