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Publicado em 21/02/2019

Freyre com y (Porambudas Políticas - Por Gaudêncio Torquato)

Abro a coluna com uma historinha que vivi.

Freyre com y

1963 chegava ao fim. Conclusão do Curso Científico no Colégio Americano Batista (CAB) na rua D. Bosco, 1308, Recife. O mestre Gilberto Freyre foi eleito paraninfo da nossa turma. Ele iniciara seus estudos frequentando, em 1908, o jardim da infância do Colégio Americano Batista Gilreath, que seu pai havia ajudado a fundar. E, aos 18 anos, com bolsa da Igreja Batista, foi estudar na Universidade Baylor no Texas, onde se formou bacharel em Artes Liberais. Gilberto Freyre foi o intelectual mais premiado da história do país. Escolhido orador da turma, organizei um pequeno grupo para ir à mansão do autor de Casa Grande & Senzala, no bairro de Apipucos, e fazer o convite. Por volta de 10h30 da manhã, subimos as escadarias da bela residência e fomos recebidos por dona Magdalena de Guedes Pereira Freyre, a esposa de Gilberto, que mandou nos servir um delicioso licor de jenipapo.

Logo a seguir, entra o mestre abrindo grande sorriso. Tomei a palavra e dei conta do objetivo: convidá-lo para paraninfar nossa turma. Fiz a entrega da carta-convite. Ao recebê-la, olhou para a grafia do destinatário – Professor Gilberto Freire – e a devolveu imediatamente às minhas mãos. Lá veio a reprimenda:

- Meu jovem, meu pai, Alfredo, quando recebia correspondência com seu sobrenome errado, não a lia. Devolvia ao remetente. Se a entrega fosse pessoal, ele dizia: meu Freyre é com Y. Faça a correção e venha me entregar novamente. Meus caros, terei o prazer de receber vocês na próxima semana com a grafia correta do meu sobrenome: Freyre com Y.

A seguir, discorreu sobre o tempo em que estudou no Americano Batista, os professores da época, os rigores da Igreja Batista. Ouvíamos com atenção, amargando o desleixo por não termos feito a lição de casa. Deveríamos saber sobre o Y na grafia do mestre Gilberto. Corrigimos a carta. Uma semana depois, estávamos em Apipucos repetindo o roteiro. E, mais uma vez, degustando o licor de jenipapo. Valeu a pena. Nosso paraninfo fez uma belíssima peroração, depois de ter ouvido do orador da turma sua trajetória de sucesso.

Conversas vazadas

As três conversas entre o presidente Jair Bolsonaro e Gustavo Bebianno, que culminaram com a demissão do ex-secretário-Geral, ocorreram mesmo no dia 12, via WhatsApp, segundo os áudios divulgados ontem pela revista Veja. As falas mostram o tratamento ríspido e mercurial do presidente com seu ministro, e mais irritado ainda porque Bebianno recebeu um representante da Rede Globo no Palácio do Planalto. Bolsonaro, no áudio, diz claramente que a Globo é 'inimiga'. Como se percebe, os torpedos contra o governo saem de dentro do próprio governo, ou de seu principal protagonista. Há prenúncio de fortes tormentas no horizonte. 

Trovoadas ameaçadoras

As trovoadas que se ouvem, nesse ciclo de chuvas fortes que caem em todo o território, também ocorrem na seara política. O episódio Bebianno-Carlos Bolsonaro-presidente Jair tem sido motivo de trovões e relâmpagos: a demissão do ministro que ocupava a Secretaria-Geral do governo terá implicações? Declarações de Bebianno poderão atrapalhar a agenda do Executivo no Congresso? E a imagem do presidente da República ganhará respingos de lama?

Impacto na agenda

As respostas às perguntas acima ganham um SIM. Há implicações com a saída de Gustavo Bebianno. A demissão do ministro, na esteira da denúncia feita por Carlos Bolsonaro, o "pitbull" do presidente Jair (como o próprio pai o designa), deixa a classe política ressabiada. Cristaliza-se a sensação de que o filho tem mais força junto ao presidente do que qualquer outra figura do aparato governamental. E isso mexe com os brios do corpo ministerial. Haverá impacto na agenda. O fluxo planejado para análise e votação da reforma da Previdência e do pacote contra a corrupção e combate à criminalidade poderá sofrer atrasos.

Impacto na imagem

É razoável imaginar que o desenrolar dos acontecimentos não caiu bem no espírito da base aliada. É inadmissível que alguém, que nem faz parte da máquina governamental, tenha sobre ela tamanho poder. A imagem de um presidente preso ao universo sentimental da família poderia ser aceita se tal imersão não interferisse no plano da gestão. O presidente, ao que parece, não quer contrariar o filho Carlos, que já passou uma temporada no passado sem falar com ele. O fato é que a sombra familiar, ao que se infere, está interferindo no processo decisório. A emoção se superpõe à razão.

O que vai dizer Bebianno

O "laranjal da política" – a inserção de pessoas na planilha de candidatos apenas para fazer de conta e receber recursos que serão desviados para outros – faz parte de nossa cultura política. O repasse de R$ 400 mil a uma candidata "laranja", autorizado pelo Diretório Nacional do PSL, sob a presidência de Bebianno, é a origem da crise. O demitido diz que foi uma decisão que não coube a ele. A Executiva Nacional aprova e os Diretórios estaduais definem o receptor. Bebianno deve ter outros casos para apontar. E os recursos da campanha presidencial? Houve desvio? Recebeu ordens do então candidato Jair Bolsonaro para mandar recursos a algum "laranja"? Interrogações e especulações estão no ar.

Flores para o coração

Comenta-se que a saída do Bebianno foi negociada nesses termos: Bolsonaro despejaria palavras de elogio ao perfil do ministro da Secretaria-Geral em um vídeo e este devolveria as gentis palavras. Assim estaria selada a paz. Mas Bebianno até agora não falou. A moldura torta continua na parede.

A reforma da Previdência

Com o slogan "Nova Previdência: Justo para todos. Melhor para o Brasil", será apresentado pelo próprio presidente o projeto da Reforma do Sistema Previdenciário. O governo deve contar com 308 parlamentares para sua aprovação. Não de imediato. A passagem pelo Plenário vai depender de ajustes, entre os quais a definição do limite de idade para aposentadorias. Talvez tenha de baixar de 65 para 62 (homens) e de 62 para 57 (mulheres) com prazo maior de transição.

Tática

O governo vai usar a tática de encaminhar o pacotão de Sérgio Moro só depois que a reforma da Previdência ganhar intenso debate. Ou seja, vai fazer tramitar o projeto em ritmo mais lento que a proposta de reforma da Previdência. O objetivo é blindar a reforma previdenciária, que chega à Câmara dos Deputados nessa quarta-feira, evitando que as propostas do pacote de Moro "contaminem" a discussão.

Comando do DEM

A aprovação das duas encomendas – Previdência e Combate à Corrupção e à Criminalidade - se torna viável ainda pelo fato de que as duas Casas congressuais estão sob comando de quadros do DEM, partido em ascensão. Na Câmara, a capacidade de articulação de Rodrigo Maia, cuja vitória se deve a mérito próprio, será decisiva. O chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM), não via com bons olhos a candidatura do correligionário. Eleito com votação extraordinária, 334 votos, Maia poderia até vestir o manto de independência, mas sua formação liberal e o compromisso que tem expressado de levar a bom termo projetos fundamentais para o país sinalizam uma atuação firme em favor do Executivo.

Base de apoio

Lembre-se que ele usou com maestria sua capacidade de articulação para aprovar projetos de alto alcance no governo Temer, como o teto de gastos, a reforma trabalhista e a Lei da Terceirização. A formação de um bloco, com mais de 300 parlamentares, reunindo PSL, PP, PSD, MDB, PR, PRB, DEM, PSDB, PTB, PSC e PMN, confere alguma segurança ao governo.

49 votos

Já no Senado, o comando está nas mãos do senador Davi Alcolumbre, do DEM do Amapá, um nome que emergiu de articulação feita com sucesso por Lorenzoni, da Casa Civil. Portanto, ali também o governo contará com sólida base de apoio. Ademais, a interlocução será mais fácil tendo em vista um colegiado de apenas 81 membros. A aprovação da PEC carece do voto de 49 senadores.

Cortando a história da AL

Esse ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, é mesmo um destruidor de história. Mandou excluir da planilha de matérias do Instituto Rio Branco, que forma os nossos diplomatas, a disciplina sobre a História da América Latina. Não quer que a nossa diplomacia adquira conhecimentos sobre nosso continente. Passa um X na história latino-americana. O ministro, que não aceita a ideia da globalização, está atuando para queimar a identidade internacional do Brasil. Os nossos grandes nomes da diplomacia são jogados na cesta do lixo.

Militares e o poder moderador

Pasmem. Os militares tendem a ser um poder moderador. Assim, se prestariam a garantir o eixo da democracia. Estão se comportando como tal, a partir do vice-presidente, general Hamilton Mourão, que tem se expressado bem, defendendo moderação e até recriminando posições radicais ou abordagens fundamentalistas. O presidente Jair Bolsonaro, ao contrário, tem usado uma linguagem contundente em seus tuítes. Até parece que não desceu do palanque.

PSL no bate-cabeça

O PSL, bancada maior da Câmara (54), superando a do PT, hoje com 52, será o carro-chefe a puxar os votos do governo. Mas o partido chega ao poder central cheio de novatos, alguns muito ambiciosos, sem lastro doutrinário, correndo o perigo de ver seus integrantes disparando tiros uns contra outros. A liderança do PSL é frágil. O presidente da sigla, Luciano Bivar, não tem se destacado como líder.

UDN ressuscitada

A UDN está vivendo um processo de ressurreição. Mas a sigla não terá a grandeza do passado, quando era o abrigo de figuras renomadas e carismáticas. Falta um Carlos Lacerda para dar brilho a essa tentativa de renascimento. Eis alguns quadros da velha UDN, fundada em 7 de abril de 1945: José Sarney, Carlos Lacerda, Gilberto Freyre, Júlio Prestes, Eduardo Gomes, Juarez Távora, Ademar de Barros, Afonso Arinos, Tenório Cavalcanti, Antônio Carlos Magalhães e Arnon de Mello.

Sistema S

O Sistema S está sob suspeita. Objeto de investigação. Abriga todas as federações de indústria e comércio do país. E se for demonstrado que recursos do Sistema S foram desviados para a política, hein? Robson Andrade, o poderoso presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI) foi preso. PF investiga esquema de corrupção envolvendo contratos entre empresas ligadas a uma mesma família, o Ministério do Turismo e o Sistema S no valor total de R$ 400 milhões.

(*) Gaudêncio Torquato e jornalista e consultor político.

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