PRINCÍPIOS DO PROCESSO PENAL

Prezado associado, em nosso último encontro, abordamos o tema ação penal, que se materializa através do processo penal em Juízo. Este, por seu turno, obedece a um conjunto de princípios e regras para cumprir sua finalidade de apurar a infração penal. 

Aqui, trataremos de alguns princípios informadores do processo penal (dentre os inúmeros existentes), de modo a compreender melhor o seu funcionamento.

Os princípios são enunciados que orientam a compreensão do ordenamento jurídico, quer para sua aplicação e integração, quer para a elaboração de novas normas. Podem ser explícitos, isto é, estampados em norma legal, ou implícitos, ou seja, extraídos da interpretação que se faz do conjunto de normas.

No Brasil, tendo em vista a importância do bem jurídico em questão na discussão de uma causa penal – em regra, a liberdade –, boa parte dos princípios informadores do processo penal está disposta na Constituição da República, entre os direitos e garantias individuais. A maioria deles, por seu turno, é repercussão da adesão do Brasil à Convenção Americana de Direitos Humanos, conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, ratificada pelo país, em 25 de setembro de 1992, e promulgada por meio do Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992.

Princípio do devido processo legal está descrito no art. 5º, LIV, da Constituição Federal e estabelece que “ninguém será privado de sua liberdade sem o devido processo legal”. É a garantia de que só será considerada legítima a condenação de alguém se o processo for desenvolvido na forma que estabelece a lei, ou seja, observando­-se as regras e os princípios processuais. É a consagração da impossibilidade de o Estado impor uma sanção a alguém, direta e arbitrariamente, tão logo tome conhecimento da prática de uma infração penal, como já dissemos em encontros anteriores.

Observar o devido processo legal é assegurar as garantias constitucionais das partes. Pode-se dizer que o devido processo legal também importa diretamente à sociedade, pois a eventual condenação com desrespeito às normas vigentes poderá ser desconstituída, confrontando o interesse social, que é o da repressão do delito.

Princípio da ampla defesa, estampado no art. 5º, LV, da Constituição Federal, implica em o Estado proporcionar ao acusado todos os meios lícitos para se defender da imputação que lhe é dirigida. Em outras palavras, tudo o que não for contrário à lei pode ser utilizado, com o amparo estatal, pelo acusado para a promoção de sua defesa.

No mesmo dispositivo constitucional está o denominado Princípio do contraditório, que é o princípio basilar da sistemática processual, pois dita que as partes devem ser ouvidas e ter oportunidade de se manifestar em igualdade de condições. O processo só atingirá seus fins se houver equilíbrio entre as partes. É conhecida a expressão “paridade de armas”, pela qual alguns autores se referem ao contraditório. Ela condensa a ideia de que, no processo, as partes devem ter as mesmas oportunidades, não devendo uma ser mais “municiada” do que a outra. É o tratamento paritário dos sujeitos parciais da relação jurídica processual.

O contraditório é essencial ao processo, porém dispensado no inquérito policial. Por essa razão, não se pode condenar um acusado baseando-­se exclusivamente em provas colhidas na peça informativa.

Dos mais polêmicos é o Princípio da presunção de inocência, previsto no art. 5º, LVII, da Constituição Federal. Na redação constitucional, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. É também chamado de princípio da presunção de não culpabilidade, pois a Constituição da República não presume a inocência, mas diz que o sujeito não é considerado culpado, ou, ainda, de princípio do estado de inocência, uma vez que indica o estado jurídico do acusado durante o processo.

Diante da tal princípio e do enfoque constitucional que merece o processo penal, pode-se dizer que a prisão cautelar (isto é, a que ocorre antes do trânsito em julgado da sentença condenatória) é medida de exceção em nosso sistema processual, ou seja, ela só deve ser imposta em caso de comprovada necessidade, como verdadeira medida cautelar que é. 

A propósito, deve ser lembrada decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Habeas Corpus nº 84.078, em que se afirmou a possibilidade de o acusado que responde ao processo em liberdade permanecer solto até o trânsito em julgado da decisão condenatória, ainda que recorra aos Tribunais Superiores. Assim, um réu que tivesse sido condenado em 1ª instância e recorresse ao Tribunal de 2ª Instância, mesmo com a confirmação da condenação, poderia recorrer solto aos Tribunais Superiores – Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal.

No entanto, o Supremo mudou seu entendimento no recente julgamento do Habeas Corpus nº 126.292, permitindo que a pena possa ser cumprida a partir da confirmação da condenação pelo Tribunal de 2ª Instância.

Ainda a respeito de tal princípio, tem-se que se o réu é presumidamente inocente, só poderá advir condenação se o julgador tiver plena convicção de sua culpa, bastando para a absolvição a dúvida. Se não foi possível afastar a presunção, deve-se absolver. Da mesma forma deve ser feita a valoração das provas: na dúvida, decide­-se em favor do réu (in dubio pro reo).

O Princípio da motivação das decisões, contido no art. 93, IX, da Constituição Federal, dispõe que as decisões judiciais precisam sempre ser motivadas para garantir as partes contra o arbítrio do julgador, que deve, assim, expor os motivos pelos quais decidiu de tal forma, ou seja, “por que” decidiu em determinado sentido.

Tal princípio encontra grande exceção em nosso sistema processual no que diz respeito à decisão proferida pelos jurados, integrantes do Conselho de Sentença, no Tribunal do Júri. Os jurados decidem por íntima convicção, sendo impedidos de manifestar as razões que os levaram a adotar um ou outro caminho na decisão da causa.

Através dos princípios expostos, tem-se uma ideia de como deve transcorrer o processo penal em juízo. A inobservância dos princípios informadores traz como consequência a nulidade do processo. Continuaremos em nossas próximas conversas.

Flávio Cardoso de Oliveira é advogado criminalista e consultor na área de direito penal empresarial do SINFAC-SP – Sindicato das Sociedades de Fomento Mercantil Factoring do Estado de São Paulo. Diretor sênior institucional da OAB/SP – Subseção de Santo André e professor de direito processual penal e de prática penal, é especialista em direito processual penal pela Escola Paulista da Magistratura. É autor de obras jurídicas pela Editora Saraiva e palestrante em diversas instituições do Brasil.
 

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