CONDUÇÃO COERCITIVA DE INVESTIGADOS

Pouco antes de entrar em recesso, o Supremo Tribunal Federal, através do ministro Gilmar Mendes, deferiu medida liminar em duas ações denominadas Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 395 e 444, propostas pelo Partido dos Trabalhadores e pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, respectivamente, proibindo as conduções coercitivas de investigados para interrogatório.

Como se sabe, tem sido comum, principalmente nas operações da Polícia Federal (incluindo a Operação Lava-Jato), a condução de investigados, mediante força policial, para prestar esclarecimentos ou serem interrogados. Geralmente são pegos de surpresa, logo ao romper do dia, sem qualquer tipo de intimação prévia.

As autoridades que requerem e determinam a condução coercitiva de investigados amparam-se no art. 260 do Código de Processo Penal, que ora transcrevemos:

Art. 260 - Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença.

Alegam as autoridades que requerem e determinam tal medida que ela é mais benéfica do que a prisão, pois, logo após ser ouvido, o investigado é liberado, e que a condução ocorre em sigilo porque se houvesse intimação para o ato, os investigados poderiam “combinar” versões, entre outras justificativas.

Primeiramente, cabe observar que a lei é cristalina em sua redação: a condução coercitiva só é possível quando o investigado/acusado não atender à intimação. Portanto, as conduções “de surpresa” não contam com amparo legal.

O problema, contudo, não para por aí. O que se questiona nas ações acima mencionadas é exatamente a validade do artigo 260 do CPP. Isso porque há bom tempo se entende que ele não foi recepcionado pela Constituição Federal por não estar em sintonia com ela.

Para entender melhor a questão, convém esclarecer que a Constituição da República, nossa Lei Maior, estabelece em seu art. 5ª, inciso LXIII, que “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado” (grifamos). O direito ao silêncio, aqui expressamente previsto no que diz respeito ao preso, é extensivo a toda e qualquer pessoa que venha a ser investigada ou processada, esteja solta ou presa. É um dos princípios basilares do processo penal. Ninguém é obrigado a autoincriminar-se.

Além da previsão constitucional, o Código de Processo Penal dispõe:

Art. 186. Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas.

A interpretação dos dispositivos acima transcritos em cotejo com o instituto da condução coercitiva é bastante lógica: se o investigado/acusado não é obrigado a responder às perguntas que lhe forem formuladas, isto é, pode manter-se em silêncio, também não é obrigado a comparecer ao ato. Ora, se intimado não comparecer é evidente que não pretende se pronunciar sobre a investigação/acusação.

Essa, aliás, é a posição do ministro Gilmar Mendes, exposta na decisão que concedeu a medida liminar:

“Nossa Constituição enfatiza o direito à liberdade, no deliberado intuito de romper com práticas autoritárias como as prisões para averiguação. Assim, salvo as exceções nela incorporadas, exige-se a ordem judicial escrita e fundamentada para a prisão – art. 5º, LXI. Logo, tendo em vista que a legislação consagra o direito de ausência ao interrogatório, a condução coercitiva para tal ato viola os preceitos fundamentais previstos no artigo 5º, caput, LIV e LVII. Em consequência, deve ser declarada a incompatibilidade da condução coercitiva de investigado ou de réu para ato de interrogatório com a Constituição Federal”

Como sempre lembramos, a medida liminar não é definitiva. A decisão final caberá ao colegiado do STF, que poderá colocar em pauta as ações no ano que se aproxima.

Flávio Cardoso de Oliveira é advogado criminalista e consultor na área de direito penal empresarial do SINFAC-SP – Sindicato das Sociedades de Fomento Mercantil Factoring do Estado de São Paulo. Diretor sênior institucional da OAB/SP – Subseção de Santo André e professor de direito processual penal e de prática penal, é especialista em direito processual penal pela Escola Paulista da Magistratura. É autor de obras jurídicas pela Editora Saraiva e palestrante em diversas instituições do Brasil.

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