DENÚNCIA NOS CRIMES SOCIETÁRIOS

Em artigo anterior, vimos que a ação penal se divide em duas espécies – pública e privada. Para dar início à ação penal, o seu titular (Ministério Público ou vítima) deve apresentar em juízo uma peça formal, onde vai expor os elementos que indicam a prática de um crime, pedindo o desenvolvimento do processo com a condenação daquele que é apontado como autor.

São duas as peças iniciais da ação penal: a denúncia, da ação penal pública, e a queixa, da ação penal privada. Importante frisar que, tecnicamente, “queixa” é, como afirmado, a petição inicial da ação penal privada. É muito comum encontrar nos meios de comunicação a utilização de tal palavra com a finalidade de indicar que alguém levou ao conhecimento da polícia a prática de um crime: “Fulano prestou queixa na delegacia”. Na verdade, “Fulano” comunicou um crime, fez uma ocorrência, mas nunca prestou “queixa”.

Para dar início ao processo, a denúncia ou a queixa deve atender aos requisitos previstos no art. 41 do Código de Processo Penal, quais sejam: a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias; a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo; a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.

No que diz respeito ao primeiro item, exige-se que a inicial descreva, com exatidão, de que forma se passaram os fatos e todas as circunstâncias a ele ligadas, indicando data, hora, local, modo de agir etc. Caso o crime tenha sido praticado por duas ou mais pessoas, é essencial que a denúncia ou queixa descreva com clareza, dentro do possível, a atuação de cada um dos indivíduos, de modo que se possa identificar como os fatos se passaram, inclusive apontando os elementos que indicam a adesão das condutas.

Questão que suscita muitos debates é a denúncia nos crimes societários. Isso porque em uma sociedade empresarial, nem todos os que têm poder de gerência, por exemplo, devem ser responsabilizados por um fato criminoso, sendo necessário que se demonstre quem efetivamente o fez, sob pena de se responsabilizar objetivamente um indivíduo, o que é vedado pelo direito penal.

Nossos tribunais têm estabelecido os vetores para a interpretação dessa questão. Têm eles admitido a denúncia geral, isto é, aquela que traz a descrição do fato delituoso e a indicação da participação de cada autor na empreitada criminosa, sem exigir a descrição detalhada da conduta de cada um. No entanto, não se admite a denúncia que imputa genericamente fatos delituosos a integrantes de pessoa jurídica, sem delimitar, minimamente, qual dos denunciados teria agido de que forma.

Nesse sentido, temos a recente decisão do Superior Tribunal de Justiça:

HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. TRANCAMENTO DO PROCESSO. INÉPCIA DA INICIAL CONFIGURADA. DENÚNCIA QUE NÃO ATENDE AOS REQUISITOS LEGAIS. MANIFESTA ILEGALIDADE. ORDEM CONCEDIDA E EXTENSIVA AO CORRÉU.

1. Segundo entendimento reiterado desta Corte, quanto aos crimes societários, ainda que a denúncia possa ser genérica, sem a atribuição detalhada de cada ação ou omissão delituosa a cada agente, é imprescindível a demonstração do nexo causal entre a posição do agente na empresa e a prática delitiva por ele supostamente perpetrada, possibilitando, desse modo, o exercício amplo de sua defesa.

2. É ilegítima a persecução criminal quando, comparando-se os tipos penais apontados na denúncia com as condutas atribuídas aos denunciados, verifica-se ausente o preenchimento dos requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, necessário ao exercício do contraditório e da ampla defesa.

3. A denúncia não apontou, ainda que minimamente, o vínculo subjetivo entre o paciente e o corréu com crimes tributários, cingindo-se à indicação da condição de sócios-proprietários da empresa "GD Comercial Ltda.".

4. O simples fato de os acusados serem sócios e proprietários de empresa não é suficiente para inferir sua participação nos fatos delituosos descritos, sob pena de responsabilidade criminal objetiva.

5. Em nenhum momento a denúncia apontou que os pacientes seriam detentores de poderes gerenciais, de mando ou de administração da referida empresa, ou mesmo investidos de poderes especiais, fosse para a concretização de movimentações financeiras, fosse para representá-la perante a autoridade tributária.

6. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, ex officio, para declarar a inépcia da denúncia no que se refere ao paciente e, por extensão, ao corréu Marco Antônio Pacheco e, apenas em relação a estes, anular, ab initio, a Ação Penal nº 014070108163, em trâmite na 3ª Vara Criminal da Comarca de Colatina-ES, sem prejuízo de que seja oferecida nova denúncia em desfavor do paciente e do corréu, com estrita observância dos ditames previstos no art. 41 do Código de Processo Penal.

(HC 121.035/ES, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 30/06/2016, DJe 03/08/2016)

Flávio Cardoso de Oliveira é advogado criminalista e consultor na área de direito penal empresarial do SINFAC-SP – Sindicato das Sociedades de Fomento Mercantil Factoring do Estado de São Paulo. Diretor sênior institucional da OAB/SP – Subseção de Santo André e professor de direito processual penal e de prática penal, é especialista em direito processual penal pela Escola Paulista da Magistratura. É autor de obras jurídicas pela Editora Saraiva e palestrante em diversas instituições do Brasil.

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