AINDA SOBRE O FORO PRIVILEGIADO

O tema foro privilegiado, ou como preferimos denominar – foro por prerrogativa de função –, voltou à pauta dos noticiários e dos comentários em redes sociais. Desta vez porque o Supremo Tribunal Federal retomou o julgamento da Questão de Ordem na Ação Penal nº 937.

Referida Questão de Ordem diz respeito aos limites da regra de prerrogativa de função, isto é, se ela deve atingir autoridades que tenham praticado crime antes de ocupar o cargo detentor do foro privilegiado.

De acordo com o panorama atual, a autoridade que pratica crime durante o mandato, está sujeita a julgamento pelo tribunal competente e não pelo juiz de primeira instância. Da mesma forma, se a pessoa pratica crime antes de ocupar o cargo e vem a ser processada em primeira instância, seu processo é deslocado para o tribunal competente assim que passa a ocupar o cargo que detém prerrogativa de função. Cessado o exercício no cargo por término do mandato ou qualquer outro motivo, cessa também a competência do tribunal respectivo.

Em outras palavras, o detentor de prerrogativa de foro em razão do cargo ou função só será julgado pelo tribunal respectivo enquanto ocupar referido cargo ou função, mesmo que o crime tenha sido cometido anteriormente. Se renunciar ao cargo ou for cassado, por exemplo, via de regra será julgado pelo juiz de direito em primeira instância, mesmo que o crime tenha sido cometido durante o mandato.

Houve um tempo em que a lei processual penal foi modificada para fazer com que a autoridade fosse julgada pelo tribunal, por atos cometidos durante o exercício do cargo, mesmo que o processo fosse iniciado após a cessação de tal exercício. Essa alteração, porém, foi declarada inconstitucional pelo STF e não mais persiste.

No julgamento em curso, o ministro Roberto Barroso, relator da Questão de Ordem, afirmou duas teses em seu voto:

(i) O foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas; e (ii) Após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo”.

Como se percebe, o ministro Barroso deu nova interpretação ao texto constitucional, que prevê a competência por prerrogativa de função, a fim de delimitar a aplicação da regra apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e que tenham relação com ele. Dessa forma, se alguém comete um crime e posteriormente vem a ocupar o cargo com foro privilegiado, será julgado em primeira instância.

Foi além o ministro e inseriu no voto a regra de que só crimes relacionados ao exercício do cargo é que estão sujeitos a julgamento pelos tribunais, desde que, como dito, tenham sido praticados durante o exercício funcional.

Cinco ministros da Suprema Corte já declararam seu voto acompanhando integralmente o voto do relator, o que sinaliza que seu voto deve prevalecer, mesmo havendo parciais divergências. O julgamento foi novamente suspenso em razão do pedido de vista do ministro Dias Toffoli.

O que o STF promove no julgamento em discussão é uma forma de minimizar as distorções provocadas pela regra vigente do foro privilegiado. Como já tivemos a oportunidade de afirmar em texto anterior, não se justifica a existência da regra que cria diferenças entre as pessoas na sociedade moderna (lembremos que todos são iguais perante a lei, ou deveriam ser), ainda mais quando se pondera que o ocupante de cargo ou função pública é que deveria manter conduta ainda mais ilibada, pode ser representante do povo.

Contudo, é sempre bom lembrar que não cabe ao STF extinguir o foro privilegiado ou reduzir o número de cargos que a ela fazem jus. No máximo, como se viu, pode a Corte dar interpretação mais restritiva ao texto constitucional.

A tarefa de modificar de fato a regra pertence ao Congresso Nacional, onde já tramita Projeto de Emenda Constitucional com esse fim. Ao povo, resta esperar o desfecho da tramitação, torcendo por regras mais igualitárias.

Flávio Cardoso de Oliveira é advogado criminalista e consultor na área de direito penal empresarial do SINFAC-SP – Sindicato das Sociedades de Fomento Mercantil Factoring do Estado de São Paulo. Diretor sênior institucional da OAB/SP – Subseção de Santo André e professor de direito processual penal e de prática penal, é especialista em direito processual penal pela Escola Paulista da Magistratura. É autor de obras jurídicas pela Editora Saraiva e palestrante em diversas instituições do Brasil.

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