A AÇÃO PENAL

Prezado associado, dando continuidade ao tema iniciado em nossa coluna anterior, faremos algumas considerações a respeito do desenvolvimento do processo criminal em juízo. Como abordado no artigo anterior, a investigação de um crime tem por finalidade colher os elementos indiciários que permitam ao titular da ação penal desenvolvê-la perante o juízo criminal. 

Sem os mínimos elementos que indiquem que houve a prática de um crime e que determinada pessoa pode ser a autora, não se pode ingressar em juízo. Esses elementos vão constituir o que se chama de “justa causa” para o desenvolvimento da ação penal, isto é, é preciso haver um “justo motivo” para se colocar alguém na desconfortável situação de réu.

Verificada a existência de justa causa, surge para o Estado a possibilidade de exercer o seu poder punitivo. Tal poder, porém, não pode ser exercido sem que haja comprovação dos fatos e sem a declaração judicial autorizando a punição, ou seja, julgando procedente a pretensão estatal. 

Para isso, exige-se a propositura de uma ação, que pode ser definida como o poder de movimentar o aparelho jurisdicional estatal, a fim de satisfazer uma pretensão. No caso da ação penal, vai-se pleitear a condenação daquele a quem se imputa a prática de uma infração penal.

Em nosso sistema processual penal existem duas modalidades de ação penal: pública, de titularidade do Ministério Público, e privada, de titularidade da vítima do crime. 

A maioria dos crimes previstos em nossa legislação é processada mediante ação penal pública. Isso porque os bens protegidos pela lei penal são os bens mais importantes para a sociedade, tais como a vida, o patrimônio, entre tantos outros. Dessa forma, praticado um crime como homicídio (art. 121 do Código Penal), roubo (art. 157 do Código Penal), estelionato (art. 171 do Código Penal), o Estado chama para si o agir e atua independente da vontade da vítima. 

Vale dizer que, comunicada a ocorrência, o inquérito policial e o processo criminal vão se desenvolver obrigatoriamente (desde que haja justa causa) mesmo que a vítima não queira, pois é o interesse público que está em primeiro lugar. E vai além: uma vez iniciada a ação, o Ministério Público não pode dela desistir. Por isso é equivocada a ideia popularmente vigente de que a vítima de um roubo, por exemplo, pode “retirar a queixa”, isto é, pode desistir da comunicação feita. Repita-se: nesses casos, o interesse público se sobrepõe ao interesse da vítima.

Em determinados casos, no entanto, muito embora a ação penal seja de titularidade do Ministério Público, a lei exige uma “autorização” da vítima para que o Estado possa agir. É o caso do crime de lesões corporais leves (art. 129 do Código Penal) e do crime de ameaça (art. 147 do Código Penal), entre outros. Entendeu o legislador nesses casos que, apesar da atuação pertencer ao Estado, não pode ele agir sem a manifestação de vontade da vítima, pois uma parcela de sua intimidade está envolvida.

Como dito acima, um pequeno número de crimes vai se submeter ao desenvolvimento de uma ação penal privada, ou seja, de titularidade da vítima. É importante destacar que a punição, nesses casos, continua a pertencer ao Estado, pois só ele tem o direito de punir. O que cabe ao particular é a propositura da ação e a prática dos atos em juízo, destinados à sua continuidade. Assim como a pessoa pode escolher se ingressa com a ação, pode também dela desistir a qualquer tempo, pois tudo está submetido à sua vontade.

A ação penal privada existe em nosso ordenamento jurídico em virtude de haver entendido o legislador que em determinados tipos de crime o interesse da pessoa, seja física ou jurídica, prevalece ao interesse do Estado na punição. Típico exemplo é o dos crimes contra a honra, denominados calúnia (art. 138 do Código Penal), difamação (art. 139 do Código Penal) e injúria (art. 140 do Código Penal).

Uma empresa pode ser difamada, isto é, alguém pode imputar-lhe fato ofensivo à sua reputação. Isso acontecendo, cabe a ela decidir se pretende promover o processo criminal contra o autor do crime ou não. O mesmo ocorre quando uma pessoa dirige xingamentos a outra (crime de injúria). É óbvio que não interessa ao Estado que as pessoas se ofendam, que manchem a reputação umas das outras, mas nesses casos é o próprio ofendido quem deve – primeiramente – demonstrar seu interesse na punição. O interesse do Estado é secundário.

No que toca particularmente à pessoa jurídica, vale destacar que os crimes contra a propriedade industrial, descritos na Lei nº 9.279/1996, entre eles os crimes contra as patentes, contra as marcas e de concorrência desleal, são processados, em regra, por meio de ação penal privada. Prevalece aqui o mesmo entendimento, ou seja, a prevalência do interesse da empresa sobre o interesse público.

O desenvolvimento da ação penal em juízo se materializa por meio do processo, ente sujeito a uma série de princípios e regras, o qual será objeto de nossas próximas conversas.

Flávio Cardoso de Oliveira é advogado criminalista e consultor na área de direito penal empresarial do SINFAC-SP – Sindicato das Sociedades de Fomento Mercantil Factoring do Estado de São Paulo. Diretor sênior institucional da OAB/SP – Subseção de Santo André e professor de direito processual penal e de prática penal, é especialista em direito processual penal pela Escola Paulista da Magistratura. É autor de obras jurídicas pela Editora Saraiva e palestrante em diversas instituições do Brasil.
 

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